Nivaldo D' Ávilla - Entre Acordes e Memórias

Os primeiros passos...

Meus primeiros passos, foram dados em Minas Gerais, entre lavouras. Na infância, minha mãe participava do Coral da Igreja Católica, e enquanto ela lavava roupas no riacho, cantava para amenizar a dor da vida ainda marcada pela escravidão. Meu pai sempre convidava os cantadores de folias de Reis para entrar e cantar em nossa casa. Mesmo sendo criança, aquilo me encantava: as cantorias no trabalho na roça, congadas, e assim, o ato de cantar tornou-se algo natural para nós, independentemente do sucesso.

 

Mudança para Guarulhos

Quando meu pai sofreu um grave acidente, enfrentamos muitas dificuldades. Morando numa favela às margens do rio Mandaqui, a vida era árdua, com criminalidade, drogas, fome e discriminação social e racial. Para sobreviver, catávamos recicláveis, fazíamos carretos na feira, limpávamos esgoto e enfrentávamos o frio sem agasalhos. Após o acidente, mudamos para o Parque das Nações, Guarulhos, em 1967, buscando escapar da marginalidade.

 

 

Início das composições

A primeira dificuldade surgiu ao tentar compor sem saber tocar. Já com mais de 20 anos e vivendo em Guarulhos, perdíamos muito tempo tentando montar uma banda para sair tocando por aí. Os músicos não se qualificavam, não tínhamos equipamentos para ensaios no início, e eu precisava trabalhar como peão de obra para me manter na música, uma realidade que persiste até hoje. Desisti após quase cinco anos com o Raça-Zarte, uma escola valiosa, porém dolorosa.

 

As primeiras apresentações

Meu primeiro palco foi na Sociedade Amigos de Bairros, no Parque das Nações, em 1973. O segundo foi no Fioravante Iervolino, com o saudoso Bisoca no cavaco. O terceiro foi na Vila Rosália, onde, na primeira vez, me escondi dos músicos com medo.

Na segunda vez, as coisas foram um pouco piores. Fiquei em choque, entrei dois tons acima da música e ainda assim conseguimos o terceiro lugar. Na época, eu já passava dos 20 anos, fazia parte do grupo Raça, que posteriormente precisou ter um sobrenome.

 

Influências Musicais e inspirações 

As figuras que moldaram minha influência musical abrangem uma diversidade de artistas, tais como Roberto Carlos, Ronnie Von, Evaldo Braga, Vicente Celestino, a vibrante escola de samba da Peruche, Paulo Sérgio, Wanderley Cardoso, James Brown, Nazareth, Yes, Beatles, Martinho da Vila, Jair Rodrigues, Milton Nascimento, Raul Seixas, Black Sabbath, The Woo, Earth, Wind & Fire, Luiz Gonzaga, e outros tantos.

Minha inspiração geralmente ocorre simultaneamente na composição de letra e música. Às vezes, as músicas fluem naturalmente, outras vezes parece que fui abandonado pelo dom de compor, mas felizmente isso passa logo. Ficar muito tempo sem compor ou não gostar do que compus é uma experiência dolorosa.

 

O Grande parceiro Beto Santos

Nos conhecemos em um festival em Americana em 1980 e desde então nunca nos separamos, mesmo nos momentos desconfortáveis. Inseparáveis, temos algumas composições marcantes juntos, como "Pé no Buraco", que lembra os Mamonas.

 

A vida de músico independente e a indústria musical

Ser um músico independente é desafiador, pois muitos não oferecem ajuda, mas críticas são frequentes. Precisamos ser indestrutíveis, pois enfrentamos desafios constantes, independente da cara do governo, pois alguns têm espírito de extermínio.

A indústria musical evoluiu desde que ouvi minha primeira música, passando por moda de viola, rádio de pilha, vinil de 33 rotações, até os formatos modernos como CD, pen drive, DVD e streaming. Atualmente, é mais fácil entrar na mídia, mas sem contatos importantes, a importância muitas vezes é limitada.

 

Momentos marcantes na trajetória

Meus memoráveis momentos incluem festivais com o extinto Raça-Zarte, trabalhar na produção do inesquecível cantor Jessé, abrir o show do Belchior, ser entrevistado por Inezita Barroso na Rádio USP, tocar nos bastidores do programa do Bolinha e na energia alegre do Circuito Musical. A música mais impactante foi "Raça-Brasil", que abriu minha visão como compositor, conquistou prêmios e viagens, resistindo na dura caminhada.

 

"O circuito musical, foi um movimento de grandiosa importância, tanto para os artistas periféricos, que vivem no anonimato, quanto para o público, que consegue o acesso  a um espetáculo de qualidade, englobando vários artistas de talento em um só show,precisamos dar continuidade." - Nivaldo Ávilla

 

Circuito Musical – Quebrando barreiras

O Circuito Musical se iniciou em 2008, liderado pelos artistas Nivaldo D'Avila, Beto Santos, Helton Gomes e Aldo Di Julho, e a produção executiva de Laila Fidelli, surgiu como um inovador e impactante projeto que se propôs a ser a maior movimentação musical, estabelecendo conexões entre escolas e proporcionando aos estudantes o acesso e a influência da rica música negra brasileira. Sob essa iniciativa única, houve uma celebração da diversidade sonora que moldou a identidade musical de nossa cidade. A proposta do Circuito Musical foi simples, mas profundamente transformadora, uma série de shows que percorreram escolas, conectando grandes artistas guarulhenses e talentos emergentes com os estudantes ávidos por explorar novas sonoridades. Mais do que apenas oferecer entretenimento, o Circuito Musical quebrou barreiras e despertou a curiosidade musical, fomentando o entendimento da importância histórica e social da música negra brasileira.

 

Novos projetos e considerações

Atualmente, estou sempre compondo, seja com instrumentos ou sem, e isso me mantém conectado com minha interioridade através da musicoterapia. Conseguimos construir um pequeno estúdio para ensaios e gravações, atendendo artistas da comunidade e oferecendo locação de som para eventos.

Agradeço a todos os músicos que me acompanharam nessa trajetória e minha mensagem para o mundo é ouvir a voz dos inocentes, trazendo amor através da arte para aplacar a impotência mundial que gera destruição e guerra. Agradeço pelo convite e foi um prazer participar dessa entrevista com a Guarumusic.

 Nivaldo D' Avilla

spotify: Nivaldo D'avilla  -             Shows :11 98295-8212